In Meio Ambiente, Políticas públicas, Recursos Hídricos

Imagem de capa: Danilo Alvesd on Unsplash


A cada dia que passa, mais atenção da mídia é direcionada à situação de escassez hídrica que o sudeste brasileiro enfrenta nos últimos anos. Infelizmente, ainda precisamos da pressão da imprensa para alavancar a movimentação de nossos governantes. Apesar da SABESP divulgar que há redução da pressão no abastecimento, a companhia insiste em defender que não há necessidade imediata de “racionamento sistêmico”, como divulgado no canal de notícias G1.

Imagem de _Marion por Pixabay (https://pixabay.com/pt/photos/deserto-seca-desidratado-%c3%a1rido-279862/)

Por curiosidade, peguei papel e lápis e rabisquei algumas contas simples, só para entender qual é o nível de vulnerabilidade que o principal sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo apresenta agora, em 2015.

Como disse, tudo muito simples, sem modelagem matemática, apenas fazendo uma simples conta de balanço hídrico dos reservatórios, considerando as chuvas médias históricas ao longo do ano, a área da bacia de contribuição para o sistema, a vazão de captação para abastecimento e, ainda, uma vazão mínima para manter os rios a jusante das barragens.

  • Área de contribuição ao Sistema Cantareira – 230 mil hectares.
  • Vazão de captação do sistema – 23 m³/s (vazão limite de retirada, calculada pela ANA, com emprego de “Curvas de Aversão a Risco”, considerando o estado do sistema com 5% do volume útil)
  • Volume total do Sistema – 982,07 bilhões de litros do volume útil + 182,5 bilhões do reserva técnica, explorado desde maio de 2014.

Quadro com chuvas mensais médias históricas (SABESP)

Mês Chuva Média
Jan 259,9 mm
Fev 202,6 mm
Mar 184,1 mm
Abr 89,3 mm
Mai 83,2 mm
Jun 56 mm
Jul 49,9 mm
Ago 36,9 mm
Set 91,9 mm
Out 130,8 mm
Nov 161,2 mm
Dez 220,9 mm

O resultado varia muito, de acordo com diversas considerações que podem ser tomadas.

Inicialmente, fiz o balanço hídrico do reservatório, considerando sua situação atual, com 5,1% de seu volume total (somada a reserva técnica), e admitindo que durante todo o ano de 2015, haverá precipitação igual à média histórica observada.

Uma variável importante nessa conta é o que chamamos por coeficiente de deflúvio, que representa a porcentagem da chuva precipitada na bacia que é efetivamente transformada em vazão afluente ao reservatório. Ou seja, é a parte do volume total de água das chuvas que vai encher o reservatório. Esse coeficiente é variável ao longo do ano, por diversas influências, que vão desde as condições atmosféricas ao volume de precipitação que ocorreu anteriormente na bacia.

Um cálculo efetuado sobre as chuvas registradas e as vazões afluentes ao sistema estabeleceu coeficientes médios históricos para cada mês do ano, como apresentado nesse quadro abaixo (Crise da Cantareira: aspectos hidrológicos e previsões para 2015):

Mês Coeficiente de Deflúvio
Jan 0,33
Fev 0,43
Mar 0,44
Abr 0,65
Mai 0,55
Jun 0,75
Jul 0,68
Ago 0,78
Set 0,33
Out 0,27
Nov 0,25
Dez 0,28

Pronto, a partir desses dados já é possível realizar o balanço do reservatório. Em um Cenário Otimista, com ocorrência de precipitação ao longo do ano igual à média histórica e, ainda, considerando que o coeficiente de deflúvio se manterá exatamente como seus valores médios, o Sistema Cantareira terminará o ano de 2015 com 27,39% de seu volume total. Isso indica que haverá a recuperação do chamado volume morto dos reservatórios e o sistema terá, então, 13,90% de seu Volume Útil. A recuperação completa do sistema se daria em um período de 3 anos.

Variação no volume armazenado no Sistema Cantareira para um Cenário Otimista, com ocorrência de chuvas e coeficiente de deflúvio iguais às médias históricas.

Porém, comparando-se as chuvas precipitadas em 2014 e as vazões afluentes ao sistema, foi observado que os coeficientes de deflúvio do sistema estão drasticamente inferiores aos seus valores esperados. Isso acontece, em parte, pelo fenômeno apelidado de “fator esponja”, que significa a necessidade de saturação do solo seco antes que haja a recuperação do volume de armazenagem.

Em um Cenário Pessimista, considerando que os valores dos coeficientes de deflúvio se mantenham iguais ao observado em 2014, mas considerando a ocorrência de chuvas com volume igual à média histórica, o volume do Sistema Cantareira se reduziria gradativamente ao longo do ano, se esgotando por completo em Agosto de 2015. Para esse cenário representar uma situação mais realista, deveriam ser corrigidos os valores do coeficiente de deflúvio mês a mês, considerando que as chuvas recuperariam gradativamente a capacidade de produção de vazão da bacia, sendo que, inicialmente, o valor seria ainda mais reduzido que o observado em 2014.

Variação no volume armazenado no Sistema Cantareira para um Cenário Pessimista, com ocorrência de chuvas iguais às médias históricas, porém, coeficiente de deflúvio iguais aos observados em 2014.

Agora, no Cenário Alarmante, podemos considerar que em 2015 ocorra as mesmas precipitações observadas em 2014, mantendo os valores de coeficiente de deflúvio também de 2014. Assim, o Sistema Cantareira ficaria completamente sem água ao final do mês de Fevereiro de 2015!!!!!

Variação no volume armazenado no Sistema Cantareira para um Cenário Pessimista, com ocorrência de chuvas e coeficiente de deflúvio iguais aos observados em 2014.

Então, considerando algumas contas simples de balanço hídrico, será que realmente devemos esperar que nosso grande amigo São Pedro nos brinde com um cenário otimista ou vamos planejar nosso futuro imediato com o mínimo de segurança possível, considerando os riscos reais dessa estiagem se prolongar ainda mais?

A SABESP já anunciou uma meta de redução na captação de água do Sistema Cantareira, de forma gradual até alcançar o valor de 13m³/s.

“O presidente da Sabesp, Jerson Kelman, afirmou na semana passada que o objetivo é chegar aos 13 m³/s, mas que isso será feito de forma gradual para não deixar imóveis sem água por um longo período por causa da redução da pressão na rede.”

Considerando essa vazão de restrição já sendo aplicada a partir do próximo mês, Fevereiro, as reservas do Sistema Cantareira ganham uma sobrevida no Cenário Alarmante de mais alguns meses, se esgotando em Julho.

Mais informação para a população, por favor. Mais responsabilidade com a gestão dos recursos hídricos, por favor.

 As estimativas aqui apresentadas são simplificadas, para fornecer uma ideia sobre possíveis cenários futuros da disponibilidade hídrica no sistema. Modelos hidrológicos mais complexos, com informações mais detalhadas sobre o sistema, como transposições, contribuição das águas subterrâneas, evaporação do reservatórios, devem ser utilizados para tomada de decisões na gestão dos recursos hídricos.

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