Foto de capa: Domingos Peixoto/ Agência O Globo, disponível em https://oglobo.globo.com/rio/um-ano-apos-obras-sujeira-ainda-toma-canais-do-fundao-do-cunha-11272116
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Você se lembra do post “Rio: o João Teimoso da Natureza“, quando falamos que dragar o fundo de rios e estuários não pode ser “a única solução” para os problemas de assoreamento e de enchentes? Voltamos a tratar deste mesmo tema no post de hoje, para mostrar que, em alguns casos, a dragagem é uma medida extremamente necessária.
Dois fatores que desmotivam a realização de obras de dragagem em todo o Brasil são: a difícil tarefa de contabilizar, orçar e pagar pelo volume do material retirado e o licenciamento, tanto da obra quanto do local de deposição dos sedimentos resultantes da dragagem.
Independente da finalidade da dragagem (que pode ser para resolver um problema de assoreamento ou garantir a implantação e a operação de portos), é necessária a obtenção de licença ambiental com o órgão competente. A Resolução 344/2004 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) regula o licenciamento, que é baseado segundo a classificação do material a ser dragado em corpos hídricos. Logo, a classificação deve fazer parte da primeira etapa do projeto. O material é definido de acordo com diversos critérios de qualidade para descobrir se é perigoso à biota local. O resultado dessa análise laboratorial vai influenciar, por exemplo, a deposição final do material, que poderá ser feita no próprio rio, em suas margens, ou então em outro local, quando há a possibilidade de contaminação do ambiente pelo material dragado. Neste último caso, o material dragado é transportado até o local escolhido.
A Dragagem do Canal do Fundão
Podemos citar como um ótimo exemplo de classificação e destinação de material dragado o “Projeto de Recuperação e Revitalização do Canal do Fundão”.
Localizado junto à Baía da Guanabara, entre a ilha do Fundão (Campus da UFRJ) e o complexo de favelas da Maré, esse canal vem recebendo lançamento de efluentes domésticos e industriais ao longo de muitos anos. Além disso, sofre com processos de assoreamento promovidos por diversos desmatamentos e intervenções no ecossistema com a criação de aterros.
Devido à sua importante localização, próximo ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro e à UFRJ, foi uma das obras mais importantes de recuperação ambiental do Estado.
Nesta obra, foram previstas a dragagem de 3 milhões de m³ de sedimentos ao longo dos 7 Km do canal. Segundo a Secretaria de Estado do Ambiente, na elaboração do EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório), foram realizados estudos detalhados do solo e análise dos sedimentos em 107 pontos da região do canal, onde se constatou a presença de metais pesados como mercúrio, chumbo, cádmio e antimônio.
Por tamanha complexidade, esses resíduos não poderiam ser depositados em qualquer lugar. Assim, foram determinados diferentes locais de destinação para o material dragado e coletado do Canal do Fundão. Segundo Clarisse Kaufmann, em sua dissertação de mestrado (2009), a divisão foi realizada da seguinte maneira:
– Resíduos sólidos depositados nas margens do canal (em outras palavras, o lixo nas margens): devem ser adequadamente separados e direcionados para a Central de Tratamento de Resíduos de Nova Iguaçu.
– Fração arenosa não contaminada: deve ser reutilizada no aterro do COMPERJ, após passar por um processo de lavagem e abrasão.
– Fração arenosa contaminada: deve ser adequadamente separada e direcionada para a Central de Tratamento de Resíduos de Nova Iguaçu.
– Fração fina não contaminada: deve ser disposta em bota-fora oceânico, localizado a alguns quilômetros da saída da Baía de Guanabara.
– Fração fina contaminada: sofrerá um tratamento prévio nos geobags, consistindo em uma redução de 60% a 70% do volume com a desidratação do material. O restante, que contém a parte tóxica, com metais pesados adsorvidos, será enterrado encapsulado nos geobags.
Uma vantagem visível da dragagem do Canal do Fundão é a melhora do escoamento da água pelo canal, o que proporciona um aumento na quantidade de oxigênio dissolvido na água, algo fundamental para a biota local. Dessa maneira, em certos casos, quando bem estudada, a dragagem é uma solução que pode melhorar a qualidade ambiental de um corpo hídrico, provando que nem sempre precisa ser uma vilã ambiental.