em Meio Ambiente, Políticas públicas

Se você empurrar o João teimoso em direção ao chão, ele ficará balançando por um determinado tempo, mas logo vai voltar ao seu eixo inicial. Com os rios acontece o mesmo, ao modificarmos a sua calha provocamos uma instabilidade e, após certo intervalo de tempo, o rio procura voltar ao seu estado de equilíbrio. Muitas vezes essa modificação é feita através de obras de dragagens.

A dragagem é uma solução de engenharia convencional, que consiste na escavação do leito do rio ou de suas margens e há muito tempo é utilizada em larga escala no Brasil. São usadas em obras que exigem respostas de curto prazo, como, por exemplo, quando é necessário o aumento da seção transversal de um rio (seja rebaixando o fundo e/ou promovendo o alargamento das margens), facilitando o escoamento das águas para, assim, resolver um problema de enchente na região do entorno.

São obras muito caras, pois exigem equipamentos específicos, transporte do material retirado, estudo e licença para o bota-fora (local onde o material dragado será depositado) e muito, muito mesmo, movimento de terra.  O valor dos gastos para cada dragado varia bastante, mas podemos considerar por volta de R$ 7,00 só para a dragagem ou, ainda, R$ 20,00 se considerarmos a dragagem e o transporte do material para seu destino final. No Porto do Rio de Janeiro foi realizada a retirada e o transporte de 4 milhões de de sedimentos, imaginem o tamanho dessa conta?!?!

Exemplo de dragagem no Arroio do Salso, Porto Alegre: serão desassoreados 1.300 metros de extensão do rio, com largura média de 10 metros e profundidade de 1 metro. Cerca de 15 mil toneladas de material devem ser retirados do leito do arroio. www.portoalegre.rs.gov.br

A percepção comum que temos sobre os rios considera que em sua calha há um escoamento puramente líquido. Porém, sabemos que junto com a água, o rio carrega uma série de sedimentos, compondo uma mistura de vazões líquidas e sólidas, que variam durante o ciclo hidrológico. Exemplificando com um caso extremo, o rio Amazonas carrega, em cada segundo, quase 20 toneladas de sedimento, de acordo com o Projeto HiBAm (Hidrologia e Geoquímica da Bacia Amazônica).

Essa composição entre água e sedimentos é o que definirá as características morfológicas do leito do rio, ou seja, a “cara” do rio. Considerando isso, sabemos que o rio possui um equilíbrio dinâmico dependente da variação das vazões sólidas e líquidas, provenientes de toda a bacia hidrográfica. Assim, os rios apresentam um comportamento variável entre erosões e sedimentações, de acordo com as características físicas da bacia, como declividade, cobertura vegetal e tipos de solo.

Esse equilíbrio dinâmico do rio, define uma característica muito importante para a gestão dos corpos hídricos, que é o princípio do auto-ajustamento. De acordo com esse princípio, a morfologia de um rio possui um estado de equilíbrio dependente das vazões sólidas e líquidas características de seu regime. Então, se houver uma alteração na calha do rio, por efeito de uma dragagem, por exemplo, haverá uma tendência de restabelecimento do seu estado de equilíbrio inicial, de acordo com o padrão dos escoamentos. Assim como, se houver um distúrbio nas vazões sólidas e líquidas características (ex.: implantação de uma barragem), o rio assumirá um novo estado de equilíbrio.

Em muitos casos, a não consideração do princípio do auto-ajustamento resulta em uma dependência crônica de dragagens cíclicas, com grande desperdício de dinheiro público.

As soluções de engenharia mais comuns se traduzem em obras que, na maioria das vezes, buscam resolver o problema localmente e em curto prazo, sem levar em consideração os aspectos relacionados à sustentabilidade e os problemas que estas mesmas soluções poderão gerar em longo prazo.

Não há dúvida que a dragagem é um recurso extremamente importante em algumas situações, onde, por exemplo, as obstruções causadas por assoreamento e lixo atrapalham tanto o escoamento da água, que fica impossível a sua passagem pela calha existente, mesmo em chuvas ordinárias. Porém ela não pode ser sozinha a solução para o problema. Procurar a fonte do problema é fundamental, devemos buscar a diminuição da produção de sedimentos e resíduos sólidos, seja através de ações estruturais, como investir na estrutura de saneamento ambiental, em reflorestamento e recuperação de solo exposto, seja por ações não estruturais, proporcionando a educação ambiental e o cumprimento das leis. Uma nova tendência que considera muito esses aspectos que mencionamos aqui é a Requalificação Fluvial, que já abordamos em um post anterior e ainda falaremos muito mais sobre isso…

Lembrem-se, a dragagem não pode ser considerada isoladamente como uma única medida, se não vamos continuar enxugando gelo.

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Mostrando 6 comentários
  • isaquelma
    Responder

    eu quero saber como e que se faz um joão teimoso pra feira de físicaaaaaaaaaaaaaa!!!…

  • Davyd Faria
    Responder

    Pessoal muito bom o post e as relações feitas. Fiquei curioso sobre as 20 toneladas de sedimentos que são carreados por segundo no rio Amazonas e gostaria de ler mais a respeito. Gostaria assim de pedir, se possível, que vocês me enviassem esse material.

    Abraço
    Davyd Faria

    • Luiza
      Responder

      Fala Davyd, um bom material sobre transporte de sedimentos no Amazonas pode ser encontrado na tese de doutorado do Maximiliano, do PEC/COPPE. Posso tentar conseguir isso pra você…

      Grande abraço.

  • Cássio Pacheco
    Responder

    Muito bom o Post! Mas como estudante queria tirar uma dúvida:

    “Assim como, se houver um distúrbio nas vazões sólidas e líquidas características (ex.: implantação de uma barragem), o rio assumirá um novo estado de equilíbrio.”

    É possível “prever” como será esse novo estado de equilíbrio ao longo de todo o rio, para então, tomar medidas mais inteligentes?
    Há algum tipo de modelo? Ou as variáveis são tantas que tornam esse trabalho muito difícil e uma solução mais qualitativa é considerada ?

    Abraços!

    • Aline Veról
      Responder

      Oi Cássio, tudo bem?
      É possível, sim, fazer previsões sobre as alterações no equilíbrio morfológico do rio. As previões qualitativas são factíveis; por exemplo: quando uma barragem interrompe o fluxo natural de sedimentos, é de se esperar que o trecho de jusante sofra erosões, tipicamente com a incisão do rio. Entretanto, quantitativamente, é mais difícil avaliar o quanto e com qual intensidade (qual a extensão de rio) acontecerá este processo. Existem modelos de previsão, mas com muitas incertezas.
      É isso aí, continue visitando o nosso blog! Um abraço, Aline.

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