Os estudos sobre as variações globais no clima e suas possíveis consequências vêm demostrando que os impactos negativos podem chegar um pouco antes do esperado, inicialmente. Expressões como “até o final do século” e “daqui a cem anos” estão sendo substituídas por “nos próximos 20 anos” e “até 2015”. As incertezas continuam, comum a qualquer estudo de modelagem que pretenda simular fenômenos naturais. Porém, os resultados cada vez mais convergem para um mesmo ponto: o padrão climático do planeta está se alterando.
Acreditando ou não na causa dessa alteração, sendo antrópica ou natural, a certeza é que a sociedade precisa se preparar para possíveis modificações dos fenômenos climáticos, as quais têm impacto direto sobre a forma como nossa sociedade vive. Segundo o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima – PNA (Portaria MMA nº 150 de 10 de maio de 2016):
A previsão é que essas mudanças afetem os sistemas
naturais, humanos, de infraestrutura e produtivo do país, de maneira não uniforme.
Um aumento da temperatura poderá conduzir a um incremento na frequência de
eventos extremos nas diferentes regiões do Brasil, bem como uma alteração no regime
de chuvas, com maior ocorrência de secas, inundações, alagamentos, deslizamentos
de encostas e consequentes deslocamentos populacionais das regiões atingidas. Essas
alterações terão consequências na sociedade, nos ecossistemas e nos diferentes
setores da economia.
Já estão em curso diversas iniciativas que buscam definir estratégias de adaptação da sociedade a tais incertezas. A Lei Federal nº 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, define a adaptação como sendo “iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima”.
Porém, além do Poder Público, é importante que toda a sociedade entenda a necessidade de adotar medidas adaptativas. Essa mudança de paradigma cultural será benéfica independente das reais consequências de uma possível alteração climática global. O benefício se dá diretamente pela adoção de uma postura mais harmônica frente aos fenômenos naturais, os quais possuem uma variabilidade temporal cercada de incertezas. Assim, a escolha por estratégias adaptativas vem dotar a sociedade de uma melhor capacidade de enfrentar possíveis desastres naturais.
Nessa linha, um setor com grande vulnerabilidade aos impactos potenciais das mudanças climáticas é o setor de transporte. A sua infraestrutura básica é composta por redes lineares de locomoção, as quais devem permitir o fluxo contínuo de recursos, bens e pessoas. Essa configuração linear da rede, que pode possuir proporções continentais, expõe o sistema a diferentes impactos climáticos potenciais.
Sistemas de transporte hidroviário em rios dependem do conhecimento prévio do regime fluvial para que sua operação seja planejada. Alterações nesse regime podem dificultar ou até mesmo inviabilizar corredores de transporte fluviais. Quando consideramos o transporte terrestre, sobre rodas ou trilhos, as enchentes podem representar um grave perigo ao seu funcionamento. Seja por um eventual aumento no nível médio do mar, que pode atingir corredores de transporte litorâneos, ou pelo aumento na frequência e magnitude de eventos de chuvas intensas, resultando em maiores cheias que podem inundar ou romper estradas e ferrovias.
Tomando como referência os transportes terrestres rodoviários, os projetos das estradas devem considerar estudos hidrológicos e hidráulicos que garantam a segurança do corpo estradal durante a ocorrência de chuvas intensas. O dimensionamento deve ser realizado segundo metodologia exigida pelo Departamento Nacional de Infraestruturas de Transportes – DNIT, que disponibiliza um manual prático para projetistas. Na metodologia, são indicados métodos hidrológicos para definição das vazões máximas que devem ser consideradas para o dimensionamento das estruturas de drenagem, como os bueiros de fundo de vale e as pontes. Tal dimensionamento deve considerar uma vazão decorrente de uma chuva com tempo de recorrência pré-definido, que varia entre 25 e 50 anos, podendo chegar até a 100 anos. Os tempos de recorrência das chuvas são estimados com base em estudos estatísticos, aplicados a séries históricas de precipitação registradas na região onde será implantada a estrada.
Tais estudos consideram que o padrão hidrológico regional não sofrerá mudanças no decorrer da vida útil do sistema. Ou seja, considera que as chuvas nas próximas décadas terão uma ocorrência similar às ocorrências das décadas anteriores. Aqui encontramos dois problemas:
O primeiro deles diz respeito à extensão da série histórica utilizada para o estudo estatístico. Muitas vezes, temos dificuldade em obter dados de precipitação com séries extensas, que poderiam caracterizar melhor o padrão estatístico de ocorrência dos eventos. Por exemplo, em alguns casos, os dados disponíveis cobrem entre 20 e 30 anos de registro. A partir dessa série, são estimadas equações de intensidade-duração-frequência (IDF), as quais são utilizadas para cálculo das chuvas de projeto que subsidiarão o dimensionamento hidráulico. Então, o cálculo da vazão resultante de uma chuva com 50 anos de tempo de recorrência para dimensionamento de uma ponte será uma extrapolação do comportamento da série.
O segundo problema está relacionado com as incertezas inerentes aos fenômenos naturais. Existem diversos ciclos na natureza, com diferentes escalas temporais. Apostar que “para todo e sempre” o padrão de ocorrência dos fenômenos naturais respeitará o que vivenciamos nos últimos 30 ou 50 anos traz muitos riscos para a gestão das cidades. Somada a essa incerteza, estão os potenciais impactos da mudanças climáticas em curso. Um incremento na magnitude e frequência dos eventos de precipitações intensas invalida todas as equações IDF utilizadas para dimensionar os dispositivos de drenagem.
Nesse contexto, se encaixam os Planos de Adaptação às Mudanças Climáticas. Esses planos estudam os impactos negativos potenciais de distintos cenários futuros, considerando alterações no clima resultantes de simulações climáticas. A partir do conhecimento desses impactos, são definidas estratégias e ações para mitigar possíveis danos à sociedade.
No caso do setor de transportes, os impactos das mudanças climáticas no regime de chuvas e no aumento do nível médio do mar possuem grande potencial de causar prejuízos ao sistema. Assim, são realizados estudos de impacto caso esses cenários futuros se concretizem, indicando quais medidas deverão ser tomadas para tornar o sistema de transporte mais resiliente. Um exemplo seria encontrar as ações necessárias para que um possível aumento na magnitude das cheias fluviais não oferecessem maior risco de ruptura às linhas de transporte. No geral, as medidas mais indicadas fazem parte do conceito de drenagem sustentável, com uso de técnicas compensatórias, pensadas, originalmente, para mitigar os efeitos de aumento das vazões nos sistemas de drenagem ocasionados pela urbanização de áreas naturais.
A lógica de avaliação é a mesma utilizada para o dimensionamento atual das estruturas, porém, as curvas IDF são corrigidas para incorporar um possível aumento na frequência dos eventos extremos. Após análise dos impactos desse aumento, são propostas medidas adaptativas, que devem ser capazes de mitigar tais impactos negativos. A AquaFluxus está capacitada para elaborar estudos de adaptação focados no sistema de drenagem, o qual é percebido hoje como um eixo estruturante de todos os demais sistemas urbanos, pois a sua falha pode inviabilizar o funcionamento dos demais sistemas, tendo como consequência prejuízos em todos os setores.
Assim, são propostas medidas adaptativas para garantir que o sistema de drenagem continue funcionando mesmo sob condições mais adversas. Certamente, todo o setor de transporte deverá elaborar um plano de adaptação, de forma a garantir a continuidade da prestação de seus serviços.
Um plano de adaptação é uma das ferramentas necessárias para a construção de cidades mais resilientes.
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Foto de capa: Foto de Josh Sorenson no Pexels