Nessa manhã de segunda-feira pós-carnaval, quando, para alguns, o ano realmente começa, quando estava a caminho do trabalho, passei por uma rua no bairro de Botafogo e me deparei com uma grande quantidade de água escoando pela sarjeta e atravessando a rua, como um pequeno córrego. Como não chovia e a água parecia de boa qualidade, me pareceu ser um vazamento da rede de abastecimento público. O mais incrível, não estou mentindo, é que no rádio estava passando essa propaganda da CEDAE “Toda gota conta”, narrada pelo ator Marco Nanini, que solicita à população que não desperdice água… Sério, me pareceu até sarcasmo…
Na atual situação de estiagem e escassez de água que enfrentamos, me voltou na cabeça um texto que escrevi aqui no Cidade das Águas sobre a relação entre as perdas de água no sistema de abastecimento e o custo que pagamos para ter água potável em casa. Se ainda não viu ou se quiser relembrar leia “A cratera de Copacabana e sua conta de água“. Com muita angústia pensei na delicada situação dos nossos reservatórios e na absurda porcentagem de perda auto-declarada pela CEDAE de 46,95% de toda a água potável que ela produz!
Já com raiva disso, me lembrei de um evento recente promovido pela COPPE/UFRJ para discutir as crises hídrica e de energia elétrica, com palestras de alguns especialistas na área. As apresentações falaram primordialmente da crise de energia elétrica no país, com todas convergindo para um resultado: a crise de energia brasileira se deve à má gestão dos sistema elétrico nacional.
Porém, na última palestra, do Professor Paulo Canedo, o tema central foi crise hídrica. O professor apresentou dados sobre a situação dos reservatórios do rio Paraíba do Sul, que abastecem boa parte da região metropolitana do Rio de Janeiro. Mas a informação mais chocante veio de uma estimativa que Canedo fez sobre as perdas de água no sistema de abastecimento da CEDAE.
A conta é muito simples, considerando a vazão de água potável produzida pela Estação de Tratamento de Água Guandu (ETA-Guandu) e a população atendida por essa estação, “reconhecida pela World Record Guinness como a maior estação do mundo em volume de água tratada“. Com esses dados é possível calcular quanto cada pessoa atendida pela ETA-Guandu “gastaria” de água por dia. Na conta do pesquisador da COPPE, a CEDAE estaria perdendo mais que metade da água tratada! Ou seja, para cada pessoa que gasta água, a ETA-Guandu precisa produzir água para duas pessoas, sendo que metade vai embora.
Claro que eu não lembrei dos números apresentados, mas fui buscar as informações para refazer essa conta. Para minha surpresa, fazendo a conta com os números oficiais, a perda fica por volta dos 40% mesmo. Aí fiquei pensando nos números e algumas coisas me encucaram um pouco. A CEDAE afirma abastecer 9,4 milhões de pessoas com a ETA-Guandu, distribuídas em 9 municípios fluminenses.
Somando as populações desses municípios, serão mais de 9,6 milhões de pessoas bebendo água. Dessa forma, a CEDAE está afirmando que seu índice de atendimento de abastecimento de água é de 97% nessa região. E aí? Será que é isso mesmo?
O próprio Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) informa que esse índice é de cerca de 90% para o estado do RJ. Isso já reduz bastante a população atendida, considerando que, na média, todas essas 9 cidades terão os tais 90% de atendimento. Mas leia esse depoimento da representante do Conselho de Entidades Populares de São João de Meriti (ABM):
“Dizem que a Cedae define alguns bairros a cada dia para receber água, enquanto os outros não contam com o abastecimento. Em razão desse problema é frequente o uso de bombas e outros instrumentos para levar água para as casas no município. Tem locais que recebem água apenas dois dias por semana. Já o centro de São João de Meriti e as áreas comerciais contam com fornecimento de água todos os dias”
Particularmente, eu não acredito nesse atendimento de 90%, mas considerando isso como uma informação oficial, faremos a conta com esse número.
Então, temos uma produção de 43.000 litros de água por segundo, o que dá 3.715.200.000 de litros por dia, dividido por 8,6 milhões de pessoas (90% da população dos 9 municípios), resultando em um consumo per capita de 432 litros de água por dia. Ou seja, cada pessoa gasta mais que 400 litros de água em um dia.
O Manual de Saneamento da FUNASA (1999) sugere, para projetos, que seja considerado um consumo per capita entre 250 e 300 litros por dia. Agora, se formos avaliar o consumo real per capita, perceberemos que dificilmente chegaremos a esse número, quando considerada uma região tão grande como a RMRJ, com uma grande parcela da população de baixa renda. Uma estimativa para o ano de 2007 afirma que no sudeste são gastos 172 litros de água por cabeça, em cada dia.
Assim, se considerarmos a média do sudeste brasileiro, teremos uma diferença de 60% entre o que a CEDAE produz e o que realmente consumimos. Essa deveria ser a perda de água estimada para nosso belo sistema de abastecimento de água, com uma estação pop star, do Guinnes…
Agora, reparem que esse número pode ser ainda muito superior, se o consumo de cada cidadão for medido de verdade e a população atendida pelo sistema de abastecimento de água for contabilizada de forma mais acurada. O problema é que, mesmo a CEDAE sendo uma empresa pública, suas informações não são disponibilizadas para toda a população de forma aberta e clara.
No final, a culpa será nossa, gastadores irresponsáveis de água, escovando os dentes com a torneira aberta e dando descarga para o número 1.
Quando será que vamos abrir essa caixa-preta?
Abraços
que da hora, vou compartilhar