Os modelos ambientais são cada vez mais usados para estimar as variações temporais e espaciais de indicadores físicos, químicos ou biológicos. Recentemente, integrantes da equipe AquaFluxus participaram de um curso do programa de doutorado da COPPE/UFRJ, ministrado pelo professor Rosman, de Modelagem Ambiental Aplicada. O programa utilizado no curso foi o SisBaHiA®– Sistema Base de Hidrodinâmica Ambiental, que é um sistema profissional de modelos computacionais desenvolvido na COPPE. Já falamos um pouco sobre esse sistema de modelos aqui.
Por se tratar de um curso aplicado, fomos designados a aplicar os conhecimentos adquiridos a um caso fictício, porém, representativo de um real problema de engenharia. A área de estudo selecionada para aplicação da modelagem ambiental foi o trecho do rio Guandu no entorno do local de captação de água para a ETA-Guandu, abrangendo o trecho fluvial de 5,56km de extensão, com início em uma seção a jusante 2,7km do barramento para controle de nível do rio, incluindo também a lagoa formada por esse barramento, onde afluem os rios Poços/Queimados e Cabuçu/Ipiranga.
Como já apresentado no post ETA GUANDU, A MAIOR ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA DO MUNDO: ORGULHO OU PREOCUPAÇÃO, a ETA-Guandu é a maior estação de tratamento de água do Mundo em produção contínua. Produz 43.000 litros de água por segundo, abastecendo cerca de 9 milhões de habitantes, cerca de 75% da população da região metropolitana do Rio de Janeiro, nos 8 municípios: Nilópolis, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Itaguaí, Queimados e Rio de Janeiro.
Nosso objetivo foi diagnosticar o funcionamento hidrodinâmico da lagoa de forma a definir os padrões de renovação das suas águas, considerando duas situações do sistema rio Guandu – Lagoa do Guandu: a situação atual e após a implantação de um projeto proposto para separação da lagoa do rio Guandu.
Este projeto prevê o barramento das águas da Lagoa Guandu que recebem as águas mais poluídas das bacias dos rios Poços/Queimados e Cabuçu/Ipiranga, áreas densamente urbanizadas e carentes de infraestrutura. Com a implantação da barragem, acredita-se que seria possível reduzir o nível de poluentes nas águas captadas para a ETA-Guandu. As águas da Lagoa seriam lançadas a jusante da estrutura de tomada d’água. Nessa configuração, seriam captadas apenas águas do rio Guandu, de melhor qualidade, o que reduziria os custos com o tratamento.
Este trabalho utilizou dois modelos do SisBaHiA®: modelo hidrodinâmico e modelo de transporte Euleriano. No post de hoje iremos apresentar apenas os resultados da modelagem hidrodinâmica.
A modelagem hidrodinâmica desenvolvida buscou analisar a circulação hidrodinâmica no trecho do rio Guandu próximo à estrutura de tomada d’água da ETA-Guandu, considerando a Lagoa do Guandu, formada na confluência dos rios Poços/Queimados e Cabuçu/Ipiranga.
Para o presente estudo, optou-se por utilizar o módulo 2DH, que calcula correntes promediadas na vertical e a elevação da superfície livre. Foram definidos dois cenários de modelagem, um representando a condição atual existente e outro representando uma condição após implantação do projeto de proteção da tomada d’água da ETA. Como o objetivo foi avaliar a qualidade das águas na pior situação, foi simulada sempre uma condição de estiagem nas bacias contribuintes. Dessa forma, para as vazões de entrada no domínio de modelagem, referentes aos rios Guandu, Poços/Queimados e Cabuçu/Ipiranga, foram considerados os valores de vazões mínimas. O modelo hidrodinâmico foi executado até o sistema hídrico entrar em regime de escoamento aproximadamente permanente.
Os resultados da modelagem hidrodinâmica para a situação atual estão apresentados abaixo.
As isolinhas de elevação mostram que a soleira da ETA Guandu provoca remanso na direção dos rios Poços/Queimados e Cabuçu/Ipiranga. Esse remanso induz a formação das lagoas na foz de cada um dos rios.
As velocidades encontradas representam a situação esperada. Nas lagoas, valores baixos de velocidade caracterizam um ecossistema lêntico e na soleira da margem direita, um escoamento mais turbulento, causado pela quebra brusca de declividade.
Para o cenário de projeto foi simulado um período de 15 dias, a fim de avaliar o funcionamento desse sistema com a implementação da barragem. A figura abaixo mostra os vetores e isolinhas de velocidade resultantes da simulação deste cenário.
Os resultados obtidos com a modelagem hidrodinâmica deste cenário mostraram que as lagoas tendem a secar, como pode ser visto no gráfico abaixo.
As isolinhas de coluna d’água na região modelada mostram que algumas regiões já apresentam secamento ao final dos 15 dias simulados.
Os resultados obtidos com a simulação hidrodinâmica deste cenário mostraram que a implantação da barragem e desvio das águas das lagoas a jusante da captação prejudicará o ecossistema de ambas as lagoas.
Apesar de artificiais, a existência das lagoas por um longo período de tempo acabou por criar um ambiente que abriga diversas espécies da fauna e flora da região, segundo estudos de impacto ambiental. Tal ecossistema depende da permanência dos níveis d’água na lagoa. A retirada do efeito de remanso causado pelas águas do rio Guandu tem por consequência a redução das profundidades de água nas partes mais altas das lagoas, durante períodos de estiagem.
Apesar da simulação deste cenário ter considerado apenas um período de 15 dias, com vazões de afluência que representam uma situação crítica de estiagem (Q7,10), a capacidade de vazão da estrutura de descarga das lagoas, por meio dos dutos, é alta em relação às vazões de contribuição das bacias dos rios Poços e Ipiranga, tendendo ao esvaziamento de grandes áreas das lagoas, caso não exista uma regra operacional para a estrutura de descarga.
Outro efeito negativo da implantação da barragem se refere ao impedimento de mistura de águas entre o rio Guandu e o interior das lagoas. Sem a entrada de água do rio Guandu, todo o volume das lagoas seria preenchido com as águas poluídas das bacias dos rios Poços e Ipiranga. Tal situação foi avaliada com uso do módulo de transporte Euleriano do SisBaHiA®, que apresentaremos em outro post.
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