Até algum tempo atrás, quase tudo que não entendíamos era explicado como “Vontade de Deus”. Desde catástrofes climáticas até questões sociais como fome, recessão econômica, miséria e guerras eram classificados como vontade divina.
Com o advento da ciência, trocamos a figura de Deus pela do cientista, mas sem abandonar o hábito de buscar dogmas que representem verdades absolutas. No lugar dos sacerdotes, passamos a ter os especialistas e, com isso, qualquer frase que comece com “segundo os especialistas (…)” passa a ser adotada como uma verdade absoluta, um dogma da ciência moderna, seja ela uma ciência exata ou humana.
O verdadeiro cientista não deve ser um especialista que busca simplesmente a solução de um problema e sim alguém que deve questionar e redefinir o que é realmente o problema. Quando lidamos com inundações urbanas, temos que ter essa perspectiva em mente para analisar as possíveis influências do aquecimento global nas chuvas e alagamentos, que parecem ser cada vez mais comuns em nossas cidades.
Considerando que todos os estudos do IPCC sobre mudanças climáticas estejam certos, enfrentaremos um crescimento de até 30% na intensidade das “Chuvas Intensas” no Brasil (especialmente na região sudeste). Uma vez que quase toda inundação urbana na região sudeste é fruto de uma chuva intensa, podemos concluir que as inundações urbanas deverão aumentar em 30% também. Não é por menos que uma série de políticas urbanas, estudos acadêmicos e obras de engenharia passaram a se preocupar com o impacto das mudanças climáticas nos sistemas de drenagem de nossas cidades. Mas como cientistas, devemos nos perguntar se é realmente o crescimento de 30% da intensidade das tempestades o real problema da drenagem urbana no Brasil?
Para responder essa pergunta, devemos analisar outros dados importantes. Um estudo publicado pelo Departamento do Interior do Estados Unidos (uma espécie de agência responsável pela gestão dos recursos naturais do país), de L.B. Leopold, constata que o crescimento urbano pode aumentar a cheia natural de um rio em até 6 vezes, ou seja, a urbanização de uma bacia pode fazer com que as inundações nessa bacia (ou a jusante dela) sejam até 500% maiores!
Sabendo disso percebemos que todo o esforço para estudar, entender e prevenir os efeitos das mudanças climáticas com relação a cheias urbanas são quase que inúteis, já que os efeitos da urbanização podem ser até 16 vezes maior.
É por isso que devemos gastar mais esforço buscando compensar e diminuir os efeitos da urbanização sobre a bacia hidrográfica do que se preocupar com a possibilidade de mudanças no regime de chuvas sobre as cidades.
Aqui, no que diz respeito a cheias urbanas, a ideia do Aquecimento Global funciona como uma ideologia* que nos confunde e impede de ver os reais problemas que enfrentamos.