Passeando no Aterro do Flamengo, sempre olho com aversão para aquela monstruosidade que construíram para “tratar” as águas do rio Carioca. Vou tentar explicar minha opinião sobre esse tipo de “estratégia para melhoria da qualidade das águas”. Pensem em um chefe de família que só come porcaria, junk food todo dia há 30 anos. O cara já está todo estragado por dentro, com diabetes, colesterol alto, doenças cardíacas, e por aí vai. Aí chega de noite, vai no banheiro e todo mundo da casa sai correndo para evitar a morte por inalação daquele terrível gás que toma conta de todo ambiente. Então, para resolver essa situação, juntam dinheiro e compram uma maquininha que o cara só precisa instalá-la na “foz do seu sistema digestório”. Essa maquininha milagrosa limpa a cagalhada do sujeito, liberando apenas um líquido sem cor e sem cheiro. Pronto! Toda a família está feliz, pois resolveu o problema. Porém, se esqueceram que seu provedor, aos poucos, está morrendo por dentro…
Para começar, por que Carioca?
Descobri três histórias que explicam a origem da denominação dos nativos da cidade do Rio de Janeiro, chamados cariocas. Em uma delas, que acho mais sem graça, o nome vem da aldeia indígena Kariók ou Karióg, outrora situada no sopé do morro da Glória, onde havia uma foz do atual rio Carioca. Outra explicação seria dada pelo significado da palavra em Tupi, traduzida como “casa do branco”.
A terceira, parecida com essa última, mas que acho mais maneira, confere a origem do nome ao apelido que os índios colocaram em uma das primeiras construções portuguesas aqui no Rio, localizada na outra foz do rio Carioca, já na praia do Flamengo. Os índios Tamoios chamavam essa casinha de akari oka, que significa “casa dos cascudos”, em uma referência à semelhança dos portugueses vestidos em suas armaduras com o peixe cascudo.
Agora, qual a importância do rio Carioca?
Conhecer a história do rio Carioca após a colonização é conhecer a história da cidade do Rio de Janeiro. O desenvolvimento da cidade ocorreu após investimentos no serviço de abastecimento de água, principalmente para abastecer o núcleo que crescia onde hoje estão o Castelo e a Praça Mauá. Local estratégico para defesa contra invasões, essa região carecia de fontes abundantes de água e a primeira intervenção era responsável por captar água na Lagoa do Santo Antônio, onde agora fica o Largo da Carioca, levando até a Praça XV, por um caminho que ficou conhecido como Rua do Cano e deu origem à Rua Sete de Setembro.
Com o crescimento da cidade, o volume de água demandado crescia, e o cano não dava vazão suficiente. Foi então, no final do século XVII, que se inicia a mais importante obra de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro, permitindo seu desenvolvimento.
O marco mais importante dessas obras ainda está de pé, o Aqueduto da Carioca, ou Arcos da Lapa, como é mais conhecido, já abordado aqui no Cidade das Águas no post Lapa – Matando a sede dos cariocas.
O rio Carioca vivia então seu auge de importância, como principal manancial de água para abastecimento da cidade maravilhosa. A cidade se desenvolvia ao longo de suas margens, formando os bairros do Cosme Velho e de Laranjeiras.
E agora, cadê o rio Carioca?
Com o passar do tempo, seu curso foi degradando, com o aumento de lançamento de esgotos, alterando seu papel de fonte de água limpa para canal de esgotamento sanitário. Assim começa sua derrocada, sendo aos poucos escondido em galerias para dar espaço a ruas e avenidas.
Hoje, não sabemos mais que ele existe, a não ser por um trecho em sua nascente, a cima do Cosme Velho, e por seu trecho final, antes de encontrar a Baía de Guanabara, cruzando o Parque do Flamengo. Ali, em sua foz, foi instalada uma estação de tratamento em fluxo, como são chamados esses engôdos absurdos.
A estação foi instalada com a promessa de auxiliar na despoluição da Baía de Guanabara, tratando as águas altamente poluídas do abandonado rio Carioca. Ela funciona da seguinte maneira: em tempo seco, quando não há chuvas fortes, o fluxo do rio passa por um processo físico-químico de floculação, seguido de flotação, através da adição de reagentes coagulantes/floculantes e bombeamento de ar. A poluição flutua e é recolhida por uma sistema de pás na superfície da água, que desvia esse material para uma rede em direção ao Emissário Submarino. Sua capacidade de tratamento se limita a 300 l/s.
Por si só, essa estação de tratamento em fluxo já não me agrada nem um pouco, pois nasce de uma concepção em que se privilegia o ataque à consequência de um problema e não à sua causa. Soma-se a isso, algumas dúvidas técnicas quanto a sua eficiência, como a sua proximidade à Baía de Guanabara, que possui influência de marés e outras variáveis típicas de ambientes costeiros, e sua baixa capacidade de tratamento.
Nos fins de semana com sol, subimos a serra e andamos nas trilhas para chegar a belas cachoeiras e rios limpos, onde podemos mergulhar e sentir o contato direto com a natureza, esquecendo-nos o que fizemos com nossos rios tão próximos, tapados por concretos, asfaltos ou decks de madeira criados para “deixar o lugar mais bonito” …
O texto “Cobrir rios é o mesmo que esconder sujeira embaixo do tapete” discute um pouco essa moda de cobrir rios… não deixe de ler.
Grande abraço.
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Fonte da imagem de capa: http://vivoverde.com.br/
Estive nas duas nascentes do Ro Carioca em 2009.