em Meio Ambiente, Políticas públicas, Recursos Hídricos

Foto de capa: Clodoaldo Monteiro Uchoa, disponível em http://trilhamariouchoa.blogspot.com/2010/08/rio-intermitente-rio-aracoiaba.html


Voltando ao assunto sobre “Faixas Marginais de Proteção”…

Na tarde do dia 07/12, foi aprovado no Senado um novo texto para a reforma do Código Florestal Brasileiro. Sem querer entrar na extensa gama de polêmicas que o tema traz à tona, chama nossa atenção a parte que trata da delimitação de áreas de proteção permanente (APP). Mais especificamente, no Inciso I do Artigo 4º, aparece escrito:

“as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:”

Seguindo-se à apresentação das faixas a serem preservadas, baseadas na largura do rio. Fácil entendimento, certo? É só medirmos a largura do rio e, dependendo do valor encontrado, demarcarmos a APP a partir da borda da calha do leito regular

Opa! Calma aí! O que diabos significa a borda da calha do leito regular??

Diferentes leitos de um rio

OK! Está escrito lá, a calha regular é “a calha por onde correm regularmente as águas do curso d’água durante o ano”. Então beleza… agora sim… mas o regime fluvial não varia ao longo do ano? Nos meses secos, essa calha será menor que nos meses chuvosos, não é verdade?

Em alguns rios da Amazônia, a variação no nível d’água chega a 20 metros! Qual seria a calha regular desses rios?

Período de Cheia na Amazônia (Fonte: https://periodicos.uff.br/uso_publico/article/view/47732)

E para os rios intermitentes?!  Que são aqueles rios que secam nos períodos de estiagem…

Rio intermitente na época de estiagem (Foto: Clodoaldo Monteiro Uchoa)

Essa confusão existe há muito tempo e com a reforma do Código Florestal, temos uma chance de tornar isso mais claro. O Patrimônio da União demarca o terreno marginal aos rios pertencente à União através da Linha Média das Enchentes Ordinárias, que tampouco esclarece o tema! O que seria uma enchente ordinária? Aquela que acontece todos os anos? E para os rios que sofreram grandes modificações como barragens, que regularizaram suas vazões? Essa definição descende de uma lei imperial!!! O que era uma enchente ordinária naquela época?

Segundo Alexandre Marcolino Lemes, da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) no Amazonas:

“Para calcular o terreno pertencente à União fazemos uma série de cálculos considerando as médias das cheias de séries históricas, a chamada linha média das enchentes ordinárias. Ao valor obtido acrescentamos ainda 15 metros de cada lado do rio”.

Toda essa confusão dificulta a demarcação dessa importante e estratégica faixa marginal de proteção dos rios, responsável pela manutenção de um ambiente fluvial mais sadio. Leis demasiadamente restritivas, se pensarmos numa demarcação a partir da maior enchente registrada, ou demasiadamente “nebulosas”, se tomarmos como medida uma cheia “ordinária”, levam ao não acatamento dessas leis. Isso é exatamente o que vemos acontecer com as APP’s…

Acaba de sair, quentinha do forno, uma dissertação de mestrado profissional realizada no Programa de Engenharia Ambiental da POLI/UFRJ, pelo agora Mestre Ricardo Castro Nunes de Oliveira, que aborda exatamente essa questão.

O título da dissertação é: “Caracterização das Áreas de Domínio da União em Rios Federais, apoiado por Modelação Matemática como Instrumento de Preservação do Sistema Fluvial”.

Ricardo aplicou sua pesquisa ao Rio Paraíba do Sul, no trecho que fica entre a Barragem de Funil e a Barragem Santa Cecília, propondo um conjunto de técnicas e procedimentos para definição da faixa marginal de proteção e da faixa de domínio da União em rios federais.

Uma proposta seria definir o início da demarcação da faixa a partir do limite da “calha cheia” dos rios (bank full flow), dada pela cheia com tempo de recorrência de 2 anos, tornando mais objetiva essa definição.

Vale a pena ler, pois o cara tem uma grande experiência acumulada trabalhando para a própria Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Acho que o texto ainda não está publicado em sua versão final, pois a defesa do Ricardo aconteceu no dia 06/12, mas assim que estiver disponível, colocaremos o link aqui!

Aliás, parabéns Ricardo!

Forte abraço a todos…

 

 

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Mostrando 22 comentários
  • Régis Camargo
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    O meu entendimento coincide com texto abaixo retirado do livro Novo Código Florestal Comentado:
    “O leito regular, como o próprio nome diz, é regular, é definido, enquanto o leito maior varia de enchente para enchente, tornando-se indefinido, algumas vezes, dependendo da cheia, chegando a ser dez vezes a maior do que o leito regular. (SODRÉ, 2013 p. 91)”,
    Para determinar essa calha regular, me valho das normas dos estudos hidrológicos preconizados pelo DAEE-SP, onde se determina a q95, que nada mais é que, a vazão que ocorre em um recurso hídrico com 95% de permanência.

    Não reconheço qualquer estudo de cheia, seja de 1 ou 2, ou mais ainda, como “regular”. Regular é uma vazão que em 95% das vezes que se visita um recurso hídrico, se encontra este na mesma cota. Sempre.

    • Osvaldo Moura Rezende
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      Prezado Régis, entendo a sua interpretação sobre o texto mencionado. Porém, no meu entendimento, calha regular não se refere à um escoamento regular, como considera em sua interpretação, mas se relaciona com a calha de passagem hidráulica dos rios, chamada de calha cheia ou bankfull, no termo em inglês. A definição dos escoamentos em calhas de rios, na geomorfologia, pode ser feita, basicamente, em três estágios: escoamento de estiagem (low flow), escoamento médio (mean flow) e escoamento de calha cheia (bankfull discharge). Em diversos estudos internacionais, assim como pode ser encontrado na própria literatura brasileira, o escoamento de calha cheia é definido por aquele com um tempo de recorrência de 1,5 anos, em média. Essa definição auxilia no reconhecimento da calha hidráulica do rio, onde passarão as cheias ordinárias, identificando onde estão as suas margens. Por esse motivo, a indicação que seja utilizada para definição do leito regular do rio, no âmbito da demarcação de FMP. A adoção de sua interpretação, considerando a calha onde se processa o escoamento de estiagem, pode reduzir a demarcação da faixa, interessando, é claro, para algumas pessoas. De qualquer forma, reconhecendo ou não, a definição de calha hidráulica difundida no meio acadêmico e prático da engenharia, em todo o mundo, é a calha preenchida pela cheia com 1,5 anos de tempo de recorrência, com alguma variação nesse número.

      Um abraço

  • Rodrigo
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    Olá Osvaldo muito importante esse assunto está de parabéns … Gostaria muito q vc me passasse a dissertação de mestrado Que vc mencionou do Ricardo Castro Nunes de Oliveira.. Muito obrigado pela atenção

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Olá Rodrigo, que bom que gostou do texto. Vou procurar a dissertação do pesquisador Ricardo, que já está no Doutorado agora, e lhe envio. Grande abraço.

    • Régis
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      Caro Rodrigo

      Já fiz dezenas de projetos onde determinamos a cheia de 1,5 anos de recorrência e, caso seja essa a normativa geral para determinar a calha do leito regular de um recurso hídrico, não existirá curso d’água menor que 10 metros de largura, ou seja, a FMP sempre será de 50 metros.

      Ainda que em minha região, montanhosa, temos muitas nascentes e respectivos cursos d’água. Já pensou termos que fazer estudos de cheia (que não demostra uma situação regular) para dezenas de córregos e ainda, batimetria em diversos pontos desses córregos para determinar a cota de inundação?

  • Alexandre Bernacchi
    Responder

    Gostaria de deixar meu registro sobre esse assunto que foi, por anos, motivo de dispositivo para proteção dos cursos d’água por todo o país. Desculpe-me mas não concordo com essa poplíticagem que em nada favorece o meio ambiente “HUMANO”. Pensam nas plantas, nos peixinhos, nas pedrinhas e esquecem de que a população necessita de COMER e se EDUCAR. Só teremos isso por crecimento SUSTENTADO. Os códigos que aí estão travam o desenvolvimento quando restringem em demasia os investimentos privados na construção de indústrias por todo país. Estamos andando para trás em matéria de avanço na qualidade de vida. Precisamos de empregos e investimentos sérios.Iremos perder para os outros países latinos com essas legislação desatualizada que em nada favorece o crescimento dos Estados e Muncípios. A legislação é confusa quando fala e diferencia área Rural de Urbana e de Urbana Consolidada!!!! UM ABSURDO ninguem entende e ninguém se entende. Demarcar FMP de 30m 50m em áreas de alto valor para investimentos seria melhor permitir e fomentar ocupação em mer faixa incentivando a troca sadia de FMP por: Escolas, Escolas Técnicas, Agrícolas, Saneamento, Água, Produção de Alimentos, comida, habitação, e por fim EMPREGOS para o ANIMAL HOMEM Brasileiro que está morrendo. FMP com 50 metros e Universidades (UERJ, UFRJ) sem professores sem AULAS E CAINDO AOS PEDAÇOS. Troca justa uma parcela da FMP por um excelente colégio? Por uma indústria. O que acham Saudações Alexandre Bernacchi

  • Jessica
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    Boa tarde, parabéns pelo texto, mas tenho algumas dúvidas, primeiro, o que é exatamente calha? é a superficie, leito, meio do rio? E a sua borda? É quando começa a porção de terra, ou seja, desde o início da margem?
    Portanto, eu começarei a contagem para fins de eatbelecimento de app assim que – vulgarmente falando – começar a terra, o solo, enfim.. ?

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Olá Jessica! Obrigado!! Então, essa é a dificuldade encontrada para demarcação das APP’s em rios. Os corpos fluviais apresentam, muitas vezes, três calhas. A calha principal ou primária, que é definida pelos escoamentos decorrentes de eventos de chuva com cerca de 2 ou 3 anos de tempo de recorrência, a calha secundária ou maior, que restringe os escoamentos decorrentes de chuvas maiores, podendo chegar até 25 anos de tempo de recorrência, e, por fim, a planície de inundação, onde os escoamentos não ocorrem mais de maneira linear e possuem um comportamento de armazenagem, amortecendo parte dos escoamentos das cheias. A pesquisa do Ricardo tenta indicar um caminho para facilitar essa definição!! Vale a pena conferir. Abraço

  • José àvila
    Responder

    Olá, gostaria de saber se a dissertação do Ricardo já está publicada.Obrigado

  • EDSON AFONSO
    Responder

    OLA DR OSVALDO, PARA MEU ENTENDIMENTO DA FIGURA 1:
    PARA CONTAGEM DA APP ONDE COMEÇA A CONTAR A METRAGEM

    – NO CANAL DE ESTIAGEM, ou
    – NO LEITO MENOR
    abraços

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Prezado Edson Afonso,

      é exatamente disso que se trata esse post! Da dificuldade em se definir uma “calha” a partir da qual será marcada a APP, deixando para interpretações difusas. Já existe uma proposta, no Rio de Janeiro, para que sejam definidas como margens dos rios, os limites de uma cheia com recorrência de 20 anos, de onde seriam iniciadas as faixas de proteção.

      Grande abraço,

  • Mariana Soares
    Responder

    Olá Osvaldo.

    Gostei muito da sua colocação. Estudo Eng. Ambiental, e meu TCC tem sido baseado no código. Achei muito interessante o trabalho que você citou acima do Ricardo. Gostaria de saber se já está disponível, e se vc teria mais materiais disponíveis para eu me basear no meu trabalho. Estou fazendo algo parecido que vc fez, mas sobre o ES.

    Abraços!

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Oi Mariana, que bom que gostou, muito obrigado…

      Recebi o seu e-mail. Vou ver se descubro se a dissertação do Ricardo está publicada e lhe respondo!

      Um abraço

  • Luh
    Responder

    Gostaria de saber qual é a relaçao entre o código florestal e os problemas existêntes no leito de um rio porque até agora não compreendi exatamente o que ocorre nesse código e qual foi o propósito quando ele foi criado

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Olá,

      o Código Florestal instituiu a Área de Proteção Permanente (APP), que entre muitas funções contribui para o controle da erosão e consequente assoreamento do leito dos rios, também contribui para regularização do ciclo hidrológico, garantindo um maior equilíbrio entre infiltração, evapotranspiração e escoamento superficial, mantendo a recarga das águas subterrâneas. A mata ciliar ainda contribui para a manutenção da temperatura e da qualidade da água do rio. Os ganhos ambientais são inúmeros, por isso é de grande importância a manutenção das APP’s. Em uma busca rápida na internet, encontrei esse blog com boas informações: EcoJurídico.

      Grande abraço.

  • Ricardo Castro
    Responder

    Oswaldo só agora pude comentar.
    O texto está ótimo, muito esclarecedor.
    Agradeço a sua mensagem e tomo como um grande incentivo para continuarmos nos nossos estudos. Aliás só com o esclarecimento e participação da população na defesa dos nossos rios é que poderemos preservar esse bem de USO COMUM DO POVO, ou seja de todos, para as futuras gerações. Um grande abraço,vou divulgar.
    Ricardo.

  • Thiago Neves Leite
    Responder

    Texto bem esclarecedor! Muito bom!

    • Osvaldo Moura Rezende
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      Valeu Thiago Neves! Continue participando! Se tiver alguma sugestão de tema para abordamos, pode falar!!!

  • carlos mettal
    Responder

    concordo com as informações e mais uma vez me pergunto… porque aqueles que aprovam as leis não têm esse conhecimento para aprimorar aquilo que deve ser aprovado??? ou de que forma poderia ser melhorada para então ser aprovada… interesses de uma classe em detrimento da comunidade assistida…

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      É Carlos, mas, na verdade, eles têm conhecimento! Mas os caminhos em que andam o nosso processo de decisão são contaminados por esses “interesses de classe” que você comentou. Algumas forças políticas tem maiores poderes sobre outras, desequilibrando a decisão. O problema é que, muitas vezes, essa força é a própria dependência econômica do Estado. O agronegócio no Brasil representa mais de 30% do PIB nacional, daí você pode imaginar a pressão que têm esse grupo nos processos de decisão…

      Valeu, abraços.

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