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Frequentemente escutamos e lemos sobre alguma quebra de paradigma que acabou revolucionando uma prática existente, melhorando a forma como abordamos um dado problema e fornecendo uma solução mais eficiente.

Um paradigma se estabelece quando uma corrente de pensamento predomina sobre outras teorias, criando um ponto de vista metodológico para a percepção dos fatos e sua interpretação, a qual acaba se tornando a “verdade” ou a “maneira correta” de se abordar os problemas em busca de soluções.

Com a Drenagem Urbana não é diferente e, ao longo da história, diversos paradigmas conduziram o enfoque sobre o correto tratamento das águas de chuva nas cidades. Desde a fase pré-higienista, quando não havia qualquer separação do sistema de saneamento e tudo ia diretamente para as ruas, passando pela fase higienista, quando passaram a se preocupar em afastar os esgotos da população, transportando-os juntamente às águas pluviais, prática conhecida como tout à l’égout, seguida da fase corretiva, na qual se concluiu que os esgotos deveriam estar separados da drenagem e ser encaminhados para tratamento, diminuindo o impacto negativo na qualidade dos corpos hídricos, até chegar à fase do desenvolvimento sustentável, empregando também o tratamento da própria água de chuva drenada pela superfície urbana, com objetivos claros de conservação ambiental e melhoria da qualidade vida.

Hoje está amplamente divulgada a ideia de que projetos de drenagem urbana devem manter, o mais próximo possível, as vazões geradas pelo terreno antes da urbanização. Assim, se um empreendimento for ocupar uma área natural, impermeabilizando parte do terreno e gerando um aumento na quantidade de água que escoará para o sistema de drenagem, ele deve controlar esse aumento. Para isso, são indicadas medidas de armazenagem e infiltração das águas de chuva.

Essas medidas são muito importantes e diminuem os impactos negativos da urbanização sobre os rios, reduzindo a necessidade de grandes canalizações e dragagens.

O Ministério das Cidades possui um programa de drenagem sustentável para financiamento de projetos de drenagem urbana que considerem aspectos sustentáveis, como a detenção e infiltração das águas pluviais. Portanto, se você tem um projeto de canalização ou dragagem, para solucionar um problema de enchente localizado, nem adianta bater na porta do MinCidades…

Precisamos tomar cuidado com essas quebras de paradigma, porque podemos cair na armadilha de condenar todo e qualquer conhecimento adquirido sob o antigo paradigma, perdendo importantes avanços na ciência.

O que quero chamar atenção com esse papo todo é o perigo da transformação do conhecimento em algo burocrático e engessado, sem o mais importante ingrediente de qualquer busca de soluções: a criatividade.

Assusta-me muito algumas conversas em que percebo essa trava no processo de construção da solução, quando discutindo possíveis projetos de controle de cheias em um local, há a sugestão de uma canalização para acelerar os escoamentos de um trecho do rio e alguém diz: “Que ideia ultrapassada é essa? Acelerar escoamento não pode…”

Porém, em muitos casos, acelerar os escoamentos pode ser melhor do que simplesmente armazenar e retardar o pico da cheia. Imagine um caso em que um bairro está localizado na parte baixa da bacia hidrográfica, como esquematizado na Figura 1. Então, a prefeitura pega um financiamento do MinCidades para implantar a “drenagem sustentável” nesse bairro e para conseguir a grana, elabora um projeto com reservatórios de detenção.

Porém, o dimensionamento do sistema não considerou a dinâmica da bacia hidrográfica na qual o bairro está inserido e não identificou como se comporta a cheia do rio que receberá a água drenada pelo bairro. Essa configuração tem um grande risco de favorecer uma superposição do pico da cheia do rio principal com o novo pico da cheia atenuada pelo sistema de drenagem sustentável do bairro.

Preciso desenhar? Beleza, vou desenhar, mal feito, mas vou tentar…

Então olhem os hidrogramas da Figura 2, eles representam a quantidade de água (eixo vertical)passando ao longo do tempo (eixo horizontal) dentro do rio principal, logo a jusante do bairro. Em uma configuração normal, a água drenada desse bairro, representada pela curva vermelha, alcança o rio rapidamente, bem antes da cheia do rio principal que vem da parte de montante da bacia, representada pela curva azul. Então quando as duas vazões se somam, resultando na curva amarelo tracejada, formam um hidrograma meio camelo deformado, com uma corcova miúda na frente, resultante da soma do pequeno hidrograma do bairro com a parte de ascensão do hidrogramas do rio. Mas o grande pico do hidrograma permanece inalterado, pois quando a cheia da parte alta chegar ao ponto de drenagem do bairro, esse já drenou suas águas há muito tempo…

Figura 2 – Soma dos hidrogramas do rio principal e da drenagem do bairro (vai ter que ler o texto pra entender ô preguiça!)

Agora, o grande risco do projeto da prefeitura é que a detenção das águas pluviais poderá compatibilizar os dois tempos de pico, como mostrado na Figura 3, gerando um efeito de magnificação do grande pico da cheia no rio, o que poderá inviabilizar o próprio sistema de drenagem do bairro, pois ele precisará descarregar suas águas durante a maior cheia do rio, ou mesmo acarretar em maiores níveis d’água para jusante, prejudicando bairros que estejam abaixo. Isso acaba com o princípio básico da drenagem sustentável de não transferir os problemas de inundações para partes mais baixas da bacia.

Figura 3 – Somatório dos hidrogramas, considerando o uso de reservatórios de detenção na drenagem do bairro

Esse exemplo mostra a importância do conhecimento das interações hidrológicas em toda a bacia, para evitar que soluções cunhadas como “sustentáveis” acabem por ter efeitos exatamente opostos à sua concepção original, além de mostrar que a quebra de um paradigma nem sempre deve significar o abandono de todo o conhecimento acumulado anteriormente, mas sim, adaptar as técnicas adquiridas com a experiência às novas abordagens.

 

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Mostrando 4 comentários
  • Gastão
    Responder

    Quando veio a ideia de que canalizar era a solução, poucos viam suas consequências para a bacia. Desde quando este artigo foi produzido em 2012 até hoje 2016 continuo apoiando a ideia que deve haver a “quebra de paradigmas”. Todo projeto necessita de um olhar holístico compreendendo as interações entre os hidrogramas. Este artigo possui uma análise pouco profunda e pode confundir. Apesar da superposição, aparentemente, gerar um maior pico devemos solucionar o problema através de um menor impacto, corrigindo os erros de evitando outros.

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Prezado Gastão,

      o objetivo dos artigos publicados no blog Cidade das Águas é difundir informações acerca do meio ambiente, recursos hídricos e manejo de águas pluviais, de forma simples e acessível a qualquer leitor. Porém, todos os autores possuem formação específica e avançada e são ou foram pesquisadores da Área de Recursos Hídricos e Saneamento do Programa de Engenharia Civil da COPPE/UFRJ. Assim, apesar de superficiais, os conceitos abordados são objetos de estudos mais profundos. Sugiro que leia com mais atenção o texto, para perceber que a ideia central não é “defender” a lógica da canalização, mas exatamente sugerir a necessidade de uma abordagem holística do problema de inundações, considerando a bacia como um sistema complexo e interdependente. O cuidado com a quebra de paradigma que me refiro é para que a discussão não se torne uma briga de religião, “quem acredita versus quem não acredita”. O conhecimento avança a medida que progredimos em sociedade e não é justo julgar nossos antepassados à luz da ciência atual, sendo de absoluta responsabilidade nossa corrigir eventuais equívocos adotados no percurso do progresso.

      Temos diversos artigos publicados no blog sobre o tema de Medidas Compensatórias em Drenagem Urbana, Sistemas de Drenagem Urbana Sustentáveis, Cidades Sensíveis à Água, Uso de Reservatórios de Detenção de Águas Pluviais, Requalificação Fluvial, entre outros assuntos interessantes, abordando o estado da arte no manejo das águas pluviais. Porém, como escrevi, são textos superficiais e mais simples. Caso tenha interesse em aprofundar mais, sugiro que procure artigos publicados em jornais e revistas científicas internacionais ou dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas nos últimos anos.

      Agradeço muito a participação e espero que tenha uma boa leitura!

      Um abraço,

  • angela
    Responder

    aí , esse papo é muito bom, esclarece conceitos que as vezes confundem nossa idéia

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