É muito comum, em projetos de recursos hídricos, que os engenheiros façam seus cálculos com nível de segurança relacionado à frequência de ocorrência de um evento, que, por sua vez, associa-se a um determinado tempo, chamado Tempo de Recorrência (TR) ou Período de Retorno ou Período de Recorrência. Mas, afinal de contas, o que significam esses termos, tão importantes para cálculos de estruturas hidráulicas?
Tempo de Recorrência é o intervalo médio de tempo (geralmente em anos) em que pode ocorrer ou ser superado um dado evento, ou seja, é o inverso da probabilidade de um evento ser igualado ou ultrapassado.
Assim, se dizemos que determinada estrutura hidráulica foi dimensionada para uma cheia de TR de 50 anos, queremos dizer que, em média, uma vez a cada 50 anos esta cheia poderá acontecer e, neste caso limite, nossa estrutura suportará a vazão afluente. E, então, se vier a cheia de TR de 100 anos?
Nesse caso, como a estrutura não foi projetada para tanto, ela não suportará essa vazão e poderá, até mesmo, sofrer avarias.
Você deve estar se perguntando, então: “Não seria mais fácil trabalhar sempre a favor da segurança e projetar todas as estruturas hidráulicas para uma cheia muito grande?” A resposta é simples: “Não, pois nós temos que levar em consideração o custo da obra.” Quanto maior o tempo de recorrência adotado no projeto, maior e mais cara será a estrutura projetada. Não podemos fazer cálculos de estruturas cujos custos sejam astronômicos e as tornem inviáveis. Temos que lembrar que os recursos são finitos e, além das obras hidráulicas, temos as obras viárias, de habitação, os investimentos em saúde, educação e por aí vai.
A grande questão, aqui, é saber dosar a segurança e os custos e projetar estruturas que sejam seguras dentro de um tempo de recorrência adequado, e que sejam possíveis de serem construídas. Nesse sentido, para cada tipo de obra hidráulica, existe um TR mais indicado.
Vamos entender isso de uma forma mais fácil, a partir de exemplos:
Em projetos de micro-drenagem, em que são dimensionados dispositivos como bocas-de-lobo, galerias de drenagem, etc, deve ser utilizado um TR de 2 a 10 anos. No município do Rio de Janeiro, o valor de 10 anos é uma recomendação da Subsecretaria de Gestão das Bacias Hidrográficas (antiga Rio-Águas). A falha deste sistema será capaz de alagar ruas, com lâminas pequenas, que podem molhar os pés dos cidadãos e dificultar o tráfego.
Para a macrodrenagem, o Ministério das Cidades recomenda cálculos para TR 25 anos – falhas na drenagem de grandes canais ou rios podem provocar alagamentos mais significativos e as casas das pessoas podem ser afetadas. Como essa é uma situação mais dramática que a primeiro, o TR subiu, mostrando uma maior preocupação com a segurança. Nos EUA, esse valor é bem maior: TR 100 anos, conforme já havíamos falado no post “O Exterminador do Futuro e o Risco de Enchentes“.
Vamos pensar agora nos cálculos das barragens! O que pode acontecer se uma estrutura com 100 metros de altura, “segurando” uma parede de água de também 100m, falhar? Bom, melhor não estar a jusante, pois você pode esperar uma onda de quase 50 metros “varrendo” o vale.
É por esse motivo que vertedores de grandes barragens, que lhe dão segurança em caso de grandes cheias, são calculados para uma vazão de 10.000 anos de tempo de recorrência. Esse é o caso do vertedor da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins.
10.000 anos!! Isso mesmo!!
Pra ter uma noção do que esse valor significa, vamos lembrar da história de Noé e sua arca. Não posso dizer que sou especialista no assunto, mas parece que essa história remonta a algo em torno de 2.500 anos antes de Cristo. Pois é, de lá para cá, são cerca de 4.500 anos. Veja só: a cheia de dimensionamento das barragens é (bem) maior…
[…] proteger uma área contra chuvas com tempo de recorrência de 25 anos, como abordado no texto “Quando as obras falham”, publicado aqui no Cidade das […]