No último debate a presidência uma das candidatas fez uma citação ao líder sindical Chico Mendes que gerou grande polêmica. A candidata afirmou que “Chico Mendes fazia parte da elite”. Nos dias seguintes a filha do seringueiro e o sindicato que ele ajudou a fundar se pronunciaram repudiando a afirmação. Mas quem foi Chico Mendes? Qual sua associação à causa Ambiental e por que a afirmação de que ele fazia parte da elite gerou tanta polêmica?
Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, (Xapuri, 15 de dezembro de 1944 – Xapuri, 22 de dezembro de 1988) foi um seringueiro, sindicalista e ativista ambiental brasileiro. Ele lutou pelos seringueiros da Bacia Amazônica, cujos meios de subsistência dependiam da preservação da floresta e suas seringueiras nativas. Em 1975 Chico Mendes iniciou sua vida política entrando para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia.[i]
A principal bandeira que Chico Mendes levantou durante toda a vida foi a garantia dos direitos e da preservação do modo de vida dos trabalhadores extrativistas da floresta. Com a intensificação dos vetores de desmatamentos atingindo a floresta, fonte de trabalho dos seringueiros, nos anos 70 e 80, Chico Mendes tornou-se um dos principais lideres da luta dos seringueiros pela preservação do seu modo de vida e pela preservação da floresta. Assim, a visão de Chico Mendes como um simples ambientalista que defende a natureza, sem levar em conta seu posicionamento politico e sua luta junto aos trabalhadores extrativistas que dependem da floresta e trabalham nela de maneira sustentável, pode ser considerada uma visão distorcida por parte do movimento ambientalista atual. Chico Mendes não defendia uma floresta intocada e livre da interferência humana, pelo contrário, defendia a floresta como propriedade de quem trabalhava e tirava seu sustento dela.
Assim qualquer associação da imagem de Chico Mendes com um ambientalista clássico é uma distorção de sua memoria e, afirmar que ele fazia parte da elite é inverter seu papel histórico como sindicalista e líder politico de esquerda.
Essa distorção da imagem de Chico Mendes tem analogia com a distorção de outros líderes populares ao longo da história. Um exemplo similar é caso da imagem que temos hoje do ativista Martin Luther King. O filósofo contemporâneo Slavoj Žižek em um dos ensaios publicados no seu livro “Primeiro como tragédia, depois como farsa”[ii] ressalta que um dos campos de luta da ideologia é a apropriação das tradições passadas e toma como exemplo a apropriação liberal de Martin Luther King. Nas palavras de Žižek :
“Um dos indicadores mais claros de nossa triste situação é a apropriação liberal de Martin Luther King, em si uma operação ideológica exemplar. Recentemente, Henry Louis Taylor observou: “Todos, até as criancinhas, conhecem Martin Luther King e podem dizer que seu grande momento foi aquele discurso do ‘Eu tenho um sonho’. Ninguém consegue ir além dessa frase. Tudo que sabemos é que esse camarada teve um sonho. Não sabemos que sonho foi. King fez um longo caminho desde que foi saudado pelas multidões em Washington, em março de 1963, quando foi apresentado como o “líder moral de nosso país”. Por insistir em questões que iam além da simples segregação, perdeu muito apoio público e foi visto cada vez mais como um pária. Como explicou Harvard Sitlcoff, “ele assumiu a questão da pobreza e do militarismo porque as considerava vitais “para tornar a igualdade algo real, não apenas uma irmandade racial, mas igualdade de fato”‘. Nos termos de Badiou, King seguiu o “axioma da igualdade”, muito além da questão isoladada segregação racial: estava em campanha contra a pobreza e a guerra na época em que morreu. Falou contra a Guerra do Vietnã e, quando foi morto, em Memphis, em abril de 1968,estava lá para apoiar a greve dos trabalhadores da limpeza pública. Como disse Melissa Harris-Lacewell, “seguir King significava seguir a estrada impopular, não a popular”.”
Da mesma maneira podemos dizer que seguir Chico Mendes é seguir a estrada impopular de um ambientalismo politizado que entende que o homem tira da natureza seu sutento por meio do seu trabalho, não a popular que enxerga o movimento ambientalista como uma religião que veio salvar o planeta da interferência humana.