No dia 22 de março de 1992, a ONU assinou a “Declaração Universal dos Direitos da Água” e criou o Dia Mundial da Água. A partir desse ano, todo dia 22 de março é dedicado à reflexão sobre um tema importante relacionado à água. O tema desse ano é “Água e Segurança Alimentar”.
A ligação entre água e alimentos já foi abordada no post “A água de Jack Griffin”, onde explicamos, por exemplo, que para produzir 1kg de feijão gastamos cerca de 359 litros de água e para produzir 1 xícara de café gastamos aproximadamente 140 litros de água! Ou seja, se levarmos em conta o artigo 6º da “Declaração Universal dos Direitos da Água”, que diz que a água é um bem dotado de valor econômico, podemos concluir que o preço da água vai influenciar o preço dos alimentos. Em um mundo em que cada vez mais as fontes de água estão sendo poluídas, cada vez mais caros serão os alimentos!
Esse conceito de que a água é um bem dotado de valor econômico foi levado ao extremo no Chile. Lá os direitos da água negociáveis foram institucionalizados pela Lei Nacional da Água de 1981 e a água passou a ser negociada como um produto básico do mercado. Transformando a água em mercadoria, o valor dela em regiões e épocas de escassez subiu muito e isso virou um grande incentivo ao investimento em ganhos de eficiência no uso da água (principalmente na agricultura). Entre 1975 e 1992, a eficiência da irrigação aumentou em uma média de 24%, o que gerou uma economia de cerca de 400 milhões de dólares na busca por novas fontes de água.
O problema é que, no mesmo período, o terço dos agricultores chilenos mais pobres viu a sua parcela de direitos da água cair em mais de 40% desde 1981. Como quase todo bem de mercado, a água passou a se concentrar nas mãos da parcela mais rica, o que, em última instância, entra em conflito com o artigo 2º da “Declaração Universal dos Direitos da Água”, que diz que “(…) O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.”.
Será que poderíamos enxergar uma contradição entre o artigo 6º e o 2º, no que diz respeito a como transformar a água em um bem dotado de valor econômico e ao mesmo tempo garantir o acesso de todos ao uso da água? Não necessariamente! A lei brasileira tenta resolver esse “conflito” dizendo que a água é um bem de domínio público dotado de valor econômico. Entre as regras para o uso e para a cobrança da água, a lei brasileira libera da necessidade de pagamento e autorização os casos em que o uso da água seja para suprir as necessidades de pequenos núcleos populacionais no meio rural.
Dessa maneira, os grandes produtores agrícolas (que são também os grandes consumidores de água) são obrigados a solicitar autorização para usar a água e a pagar por ela. Já a grande maioria dos pequenos produtores agrícolas (agricultura familiar), que geram 80% dos empregos no campo e produzem mais de 60% dos alimentos que consumimos, são liberados de pagar pela água. Além de justo, se enquadra bem no tema proposto pela ONU esse ano: “Água e Segurança Alimentar”.
No dia da água é sempre bom lembrar das palavras de Nelson Mandela : “Entre as muitas coisas que aprendi enquanto presidente figura o papel central da água nas questões sociais, políticas e econômicas do país, do continente e do mundo”.